"Ante um horizonte feito de metal, contentores e buracos, um homem (Rui Neto) mergulha num tanque de vidro, água e vapor, antes de iniciar o monólogo vertiginoso que desafia os limites da lógica e da racionalidade". As palavras são do texto "Não Eu", escrito por Samuel Beckett, e um dos quatro dramatículos ou peças curtas que integram o novo espectáculo que o teatro da Comuna, em Lisboa, estreia amanhã. A inquietante estranheza que atravessa a obra deste escritor irlandês é o foco que o encenador Álvaro Correia escolheu para a encenação do espectáculo "A Felicidade, Amanhã". "Não Eu, Acto Sem Palavras II", "Play" e "O Quê Onde" pertencem ao conjunto de peças curtas que Beckett escreveu na fase em que procurava um ruptura com a sua própria obra. São elas que agora se agregam " para mostrar que o teatro deste autor, mais do que um teatro sobre o absurdo, é um teatro da condição humana", explica o encenador. Ao longo de mais de uma hora e meia, assiste-se ao deambular de figuras e personagens encerradas no palco, "como nós estamos encerrados na vida, nas nossas rotinas, na nossa tentava de agarrar o que é real", diz ainda Álvaro Correia. "Eu apago. Eu recomeço. Eu apago...", repete Bam sob uma lâmpada que se acende e apaga, um dos personagens que dão vida ao texto "O Quê Onde", utilizado para encerrar o espectáculo. Para o encenador, a "ideia de repetição, de recomeço" é também algo muito presente na obra de Beckett e que agora considerou importante explorar. Outra das marcas deste "A Felicidade, Amanhã" é a vontade de mostrar a influência que este dramaturgo teve na arte em geral, mas especialmente nas artes performativas. Para isto, o encenador convocou as criações de artistas como Bill Viola ou Bruce Nauman, tanto para a construção da cenografia como para a iluminação. A música de Schubert é outro dos elementos constituintes desta peça. O compositor era o preferido de Beckett e a sua música, tal como os cenários, serve como elemento de ligação entre os vários textos da peça. "Recomeçar, refazer, ir ao limite dos possíveis" é a ideia que explica também o título escolhido - "A Felicidade, Amanhã", que nos coloca perante a "possibilidade de haver um devir feliz, de haver alguma esperança em algum lugar".
Fonte: DN
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