Antes era um trabalho naturalmente entregue aos experientes, aos veteranos. Ultimamente, assistiu-se a uma inovação, convidando actrizes com uma carreira sólida, é certo, mas sem a tarimba herdada pelos anos da representação. Dirigir actores implica vigiar o processo de construção da personagem em cena. Cabe a esse responsável seguir o rumo que aquela figura vai tomando por parte do actor, explica Adriano Luz, por duas vezes director de actores em novelas da TVI. "É uma voz da consciência, o amigo fiel da personagem". Nas produções televisivas, este trabalho ganha ainda maior relevo. "Em projectos um bocado mais industriais, é preciso mais acompanhamento, para que a personagem não saia a perder". E quem o faz deve fazê-lo com "perseverança. Pois têm de se fazer ouvir". Daí que a maior parte dos directores sejam veteranos. "Não se trata de uma questão de idade, mas de ser reconhecido pela competência junto dos pares", sublinha Adriano Luz. António Melo, Cucha Carvalheiro, Maria Henrique são alguns dos nomes mais sonantes. A direcção de actores em televisão ganhou, recentemente, três novos nomes, todas elas mulheres, na casa dos 30. Susana Arrais, 34 anos, Paula Neves, 32 anos, as duas a trabalhar para a TVI, e Carla Chambel, de 33, ao serviço de "Laços de Sangue", para a SIC. Apesar de pertencerem a uma geração mais nova, os colegas não estranharam a sua presença. Pelo contrário, há quem veja na sua chegada um contributo de frescura. Afinal, é um olhar límpido, menos cansado, aquele que podem acrescentar à direcção de actores. Susana Arrais "sempre gostou de actores e de os ver trabalhar". E o convite de Isabel Medina, sua chefe de equipa na direcção de actores em "Malmequer", novela da de Rui Vilhena para a TVI com estreia reservada para Setembro, foi recebido com entusiasmo. "Tinha feito a experiência no teatro e havia o interesse e a curiosidade". Se desagradou aos actores mais velhos, estes não o disseram. "Senti-me muito bem recebida", responde Susana Arrais. Se os mais novos preferem, diz não saber. "Com uns, estaremos a pegar em terrenos mais virgens e a motivá-los a crescer, com os outros, porventura, o apoio irá no sentido de corrigir vícios. Todos têm dificuldades, mas de tipo diferente". O que importa é "prestar auxílio na resolução de problemas", na maior parte dos casos, fornecer "pequenas pistas". Carla Chambel tem a percepção de que os colegas agradecem a presença de atentos directores de actores. "Permitimos-lhes ter um espelho do seu trabalho e isso só os ajuda; encontrar o caminho justo para aquele situação". Ao fim e ao cabo, "eles percebem assim que não estão desprotegidos, eu dou-lhes o meu tapete para o que eles precisarem". Mas a presença dos directores de actores nem sempre foi vista como uma necessidade primária na ficção televisiva e mesmo hoje, conta Carla Chambel, há produções nacionais que dispensam estes profissionais, assim que a novela entra em fase de velocidade de cruzeiro. O que é que fundamental neste exercício? Carla Chambel fala em "muita sensibilidade" e em "gestão dos ritmos de cena". "A musicalidade de uma cena faz toda a diferença". Numa discussão, concretiza, "os diálogos, terão de ter uma certa velocidade, de ser mais rápidos; depois, quando esta acaba, pode brincar-se com as pausas". Há ainda que ir arrancar o lado emotivo dessas pessoas, fazê-las procurar pequenas justificações para os actos das personagens, mesmo que sejam, depois, imperceptíveis, reforçam a veracidade da história a contar. Chambel não tem preconceitos em relação aos actores vindos da área da moda ou sem experiência e prefere abordar a questão noutro ângulo. "Não tiro conclusões precipitadas em relação à matéria prima. O que é importante é querer-se aprender, a entrega, se têm essa disponibilidade, eu respeito isso". Por outro lado, também são um problema "os actores que procuram sempre as mesmas soluções seja qual for a personagem. O meu papel aí é alertá-los". Conclui: "Independente do talento, tem de haver sempre muito trabalho". Paula Neves fez a direcção de actores em "Espírito Indomável" até ser chamada para representar Laura, em Malmequer". Também ela não tem razão de queixa dos actores. "Nunca senti que não devia estar ali. Tanto com os iniciados como com o seniores, procura-se prestar uma visão exterior do desempenho", explica. É diferente trabalhar com quem tem estaleca e com quem não tem, mas também percebeu que os mais novos costumam "compensar a falta de experiência com empenho, pois têm muita preocupação em sair-se bem". Esta tarefa, uma estreia absoluta na sua carreira, como diz, correu da melhor maneira. "Ganhei outra visão acerca do que se passa nas gravações, uma visão mais global, muito diferente da que se tem quando estamos preocupados apenas com uma personagem". As três actrizes partilham ainda o facto de estar a assegurar as funções em exteriores, o que implica acompanhar a equipa de sol a sol, das oito da manhã às oito da noite. Cansativo, desgastante. Tem sido assim, dizem. Além da actuação no plateau, têm o trabalho de casa: preparar as cenas para cada um dos actores, tendo em conta a sua continuidade. No caso de Paula Neves, a rodagem decorreu sob o sol tórrido de Verão, na paisagem seca de Coruche. Ali se gravaram as cenas de campo da novela "Espírito Indomável". E a presença dos cavalos em cena causou muitos cortes, e episódios caricatos, conta, rindo, a actriz. Durante a gravação de um encontro romântica, envolvendo a personagem de Vera Kolodzig, até aí a "correr lindamente", um cavalo resolveu defecar. As repentinas mostras de entusiasmo sexual por parte dos cavalos, causadas pelo mero avistar distante de uma égua, atrapalharam por mais de uma vez os trabalhos. O mais usual, conta Susana Arrais, é ter de voltar a fazer tudo de novo se são apanhados pelo barulho de um avião, de uma máquina misteriosa, cujo som parece irromper do nada.
Fonte: JN
Sem comentários:
Enviar um comentário