O pano abre-se sobre a nova temporada de teatro já no dia 9 de Setembro com Alexandra Lencastre a regressar aos palcos depois de 16 anos de ausência. Seguem-se, nas salas do País, estreias e reposições que resgatam textos clássicos em que as mulheres são as grandes protagonistas. As vozes que vêm contar várias histórias com uma linha comum: a desilusão e a inadaptação face a um mundo onde tudo o que é sólido se dissolve no ar. Alquimia, era assim que o dramaturgo francês Antonin Artaud chamava ao teatro. Um processo mágico que imita a vida mas, ao mesmo tempo, a questiona ao ponto de querer transformá-la numa coisa melhor. A rentrée teatral promete que, até ao final do ano, os palcos portugueses vão ser um lugar onde regressam os textos clássicos, de autores maiores da dramaturgia universal: de Ibsen a Tennessee Williams, de Tchékhov a Brecht, passando por Arthur Miller e Dario Fo. Serão também lugar para uma revisitação, 30 anos depois, do romance "O Dia dos Prodígios" de Lídia Jorge, e do ano de 1974, com textos de Miguel Seabra do teatro Meridional. A Culturgest dá espaço às palavras de Jacinto Lucas Pires. E no Teatro Maria Matos estarão peças de Patrícia Portela, Ana Borralho, João Galante, Tiago Rodrigues ou dos belgas Stan. A nova temporada fica também marcada pelo domínio das mulheres. De actrizes a encenadoras, de escritoras a personagens, as mulheres invadem os palcos portugueses. De todas, a mais emblemática será Hedda Gabler, uma das personagens mais famosas e complexas do dramaturgo norueguês Ibsen. "Hedda Gabler" (protagonizada por Maria João Luís) estreia-se no dia 16, pelos Artistas Unidos, com encenação de Jorge Silva Melo, no Teatro São Luiz, em Lisboa. A par de Hedda, no Teatro Nacional Dona Maria II Alexandra Lencastre dá corpo a Blanche Dubois, a mulher inadaptada e à beira da loucura de "Um Eléctrico Chamado Desejo", obra escrita por Tennessee Williams, agora encenada por Diogo Infante. Ainda no universo feminino, mas num registo menos sombrio, a actriz Guida Maria regressa ao Casino Estoril, dia 8, com o espectáculo "Sexo? Sim, Mas Com Orgasmo", escrita por Dario Fo e Franca Rame, na qual se procura ler com humor a vivência da sexualidade. No festival de monólogos Cabeças Falantes, Rafaela Santos e Leonor Keil encenam outra peça sobre o universo feminino: "Mulher Mim", com estreia no dia 4. No Teatro da Trindade, a directora artística, Cucha Carvalheiro, quis assinalar a passagem dos 30 anos sobre o lançamento do livro de Lídia Jorge "O Dia dos Prodígios", encenando um espectáculo, a partir desta obra, que conta a história de um povo numa aldeia remota que nunca reconheceu o 25 de Abril por não entender nem o real nem o milagre. Estreia dia 23. A sala Azul do Teatro Aberto, em Lisboa, terá Bertold Brecht, na peça "Senhor Puntila e Seu Criado Matti", com encenação de João Lourenço e um elenco de nomes como Rui Morrisson, Pedro Lima ou Sandra Barata Belo. Aqui, novamente, uma reflexão sobre a condição humana dentro de relações de poder e dependência. Na Culturgest, a "Sagrada Família", de Jacinto Lucas Pires, sobe à cena a 16, e em Novembro é a vez de Mónica Calle, com "Inferno 1". Ainda em Lisboa, no Teatro Maria Matos, entre os dias 10 e 18, Patrícia Portela resgata a "A Colecção Privada de Acácio Nobre". O Centro Cultural de Belém abre a temporada a 28 de Outubro, com a estreia da Companhia Maior a encenar "A Bela Adormecida". No Porto, mais dois monstros da dramaturgia: Anton Tchékhov, no Teatro Nacional de São João, com "A Gaivota", uma história sobre pessoas presas no interior de conflitos que nunca se manifestam, encenada por Nuno Cardoso. Estreia no dia 15. No Teatro Experimental do Porto, as pancadas de Molière ouvem-se a 23, para "A Morte De Um Caixeiro Viajante", de Arthur Miller, agora com encenação de Gonçalo Amorim. Nesta peça, reencontramos uma personagem que, nas últimas horas de vida, reflecte sobre a vacuidade dos valores pelos quais regeu os seus dias. As peças são muitas e diversificadas, mas há entre quase todas uma linha comum: a reflexão sobre a vida de homens e mulheres presos a lógicas que não compreendem, às quais não se adaptam, deixando assim escapar o tempo, as oportunidades, a vida. Se em vez de pessoas tivéssemos como protagonista um país, poder-se-ia dizer, como afirma Jorge Silva Melo, que "é todo um Portugal que se olha ao espelho" com os olhos desesperados de Blanche Dubois, Hedda Gabler ou Willy Loman a viverem entre um passado que os prende e as promessas de um futuro que não se cumpre.
Fonte: DN
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