terça-feira, 6 de outubro de 2009

Novelas escritas quase em simultâneo com gravações

A ficção nacional modernizou-se. Agora, os guiões são feitos praticamente em tempo real. E se os actores de "Sentimentos", da TVI, têm opiniões distintas, Vilhena, que escreve a nova trama, evoca a necessidade de feedback. Tempos idos são aqueles em que os textos das tramas entregues aos profissionais que iam interpretar as personagens eram lineares e taxativos. Hoje em dia, a engrenagem da indústria das novelas funciona de modo diferente. Ao ouvir o primeiro acção por parte dos realizadores, quem representa apenas tem na sua posse uma espécie de esboço prematuro do perfil que lhe caberá vestir. A história de Tozé Martinho, "Sentimentos", no ar na grelha de Queluz, não é a excepção que confirma a regra. Nem a próxima novela de Rui Vilhena, "Orgulho", nome provisório, será. Este último, autor de êxitos como "Ninguém Como Tu", "Tempo de Viver" e, mais recentemente, "Olhos nos Olhos", todos na TVI, conta que na altura em que assinou "Terra Mãe" para a RTP, à data de 1998, "as gravações da novela acabaram apenas três dias depois de ter estreado". Ora, para o guionista, tal representa um "risco de ir para o lixo", defendendo que o feedback dos espectadores deve ser aferido numa fase embrionária da produção. Alegando uma "margem de manobra" exponenciada, por forma a quem escreve "poder proceder às devidas alterações à medida que a intriga avança", Vilhena refere que "a história tem vida própria". Não pode estar castrada a priori. E a tendência é para nos aproximarmos "cada vez mais do Brasil", considera. Se por cá a décalage entre o arranque da trama em antena e o número de episódios escritos "é de 40/50", por terras de Santa Cruz, o hiato de capítulos baliza-se "nos 15", esclarece. As vozes dos actores não são uníssonas face a esta matéria. Renato Godinho, que é o vilão Vítor em "Sentimentos", afirma não ter por hábito "falar com os autores sobre o caminho que as personagens vão levar", pois acha "essa descoberta interessante". E acrescenta: "Sempre que gravo uma cena, pode ser branco ou preto, mas vou sempre pelo cinzento para não limitar nada". Sendo no "ponto de interrogação" que se deixa "seduzir pela personagem". Já Fernando Luís, que faz de Sertório no mesmo enredo, assinala a "dificuldade" acrescida das novelas abertas. "Nunca sabemos o que nos vai acontecer", sublinhando que gosta mais "de trabalhar quando as coisas estão todas definidas". A estrutura "está montada, sei com o que conto e consigo criar por cima da base já feita. Há outro controlo". Por sua vez, Pepê Rapazote, que já grava a nova ficção da SIC, "Perfeito Coração", vai de encontro à ideia de Renato, a que soma a da "maior verosimilhança". Faz notar que "quando o actor sabe mais do que a personagem, no seu subconsciente há um calculismo" que pode ser pernicioso. Diogo Amaral, protagonista da trama de Tozé Martinho, discorda. "Prefiro trabalhar em cima de um guião fechado, permite outras nuances", classificando os textos abertos de "um terreno pantanoso". Paulo Pinto, o advogado de Thai na mesma novela, recupera o juízo do colega Pepê Rapazote, afiançando: "A nossa liberdade é tanto mais interessante quanto mais espartilhada estiver para tentarmos ser verdadeiros em todas as cenas e momentos. Pode haver incoerência, mas é mais verosímil".

Sem comentários: