sábado, 4 de dezembro de 2010

Nova peça de teatro com São José Correia

Ela entra vestida de negro, de expressão carregada e olhar duro. Atrás de si apenas o ressoar nervoso dos saltos dos sapatos a baterem no chão de madeira. Atrás de si a solidão e a espera, à sua frente a morte. Anda de um lado para o outro mas é como se não saísse do mesmo lugar. Para esta mulher, tal como para os que a rodeiam, não há já salvação. Esta mulher é Lavínia, uma Electra dos tempos modernos, e a história da sua tragédia estreou- -se quarta-feira, no palco do Teatro Municipal de Almada (TMA), onde fica até dia 19. A peça "A Morte Vai bem com Electra", do dramaturgo e Prémio Nobel Eugene O'Neill, tem encenação de Rogério de Carvalho e fecha o ciclo que o TMA dedicou ao autor. Tal como na tragédia grega de Ésquilo Oresteia, na qual se baseia, O'Neill divide a narrativa em três partes, mas no palco Rogério de Carvalho optou por fundir a trilogia numa peça só, em que a actriz São José Correia dá corpo a esta heroína mítica. Filha dilecta de Mannon, que regressa a casa no fim da "Guerra da Secessão" e é assassinada pela mulher e pelo seu amante, Lavínia vai encontrar no irmão mais novo, Orin, o aliado ideal para vingar o pai. "Ela é a grande guerreira da família, mas está presa à sua incapacidade de fazer o luto, de fechar capítulos. Ela anda, anda e não sai do mesmo sítio. É muito complexa e ambígua", declara São José Correia sobre a sua personagem. Atravessada por ecos de Freud, Nietzsche ou Strindberg, a história destas pessoas e desta família em dissolução acontece sobretudo "no mundo interior, nas pulsões inconscientes, como a violência, a loucura, o desejo de vingança", explica o encenador que escolheu dar a ver tudo isso através de "um registo metafórico, em que a palavra emerge acima de qualquer opção cénica". Assim, num palco praticamente despido de adereços, o elenco, do qual fazem parte Teresa Gafeira, Marques d'Arede, André Albuquerque, Bernardo Almeida, entre outros, dá ao espectador um fresco sobre uma família em que se estabelecem "relações inquietantes e enigmáticas, em que os vivos se cruzam com os mortos, o amor tem fronteiras pouco claras e todos estão sempre à beira do sobressalto e do abismo" explica Carvalho. Embora se trate de uma tragédia, ela não tenta criar no espectador uma piedade fácil pelo sofrimento e miséria humana e aí reside, segundo Joaquim Benite, director do Teatro de Almada, "o extraordinário desta obra, pois há uma aparente simplicidade narrativa e tudo se joga na palavra". Ésquilo colocava, no centro da peça, a questão da justiça, O'Neill, no inconsciente indomável e Rogério de Carvalho, diz querer colocar o foco "na questão do poder e nos que decidem em momentos de crise ou colapso, como o que está a acontecer actualmente".
Fonte: DN

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